quinta-feira, 4 de junho de 2015

Crescimento da cabeça e resultados neurocognitivos

Título: Crescimento da cabeça e resultados neurocognitivos

Objetivo: Descrever a incidência de mudanças de percentil de perímetro cefálico (PC) e a relação entre extremos da dimensão da cabeça e alterações no neurodesenvolvimento. Encontrar evidência da utilidade da medição do PC como teste de rastreio.

Desenho do estudo: Estudo coorte, prospetivo e de base populacional.
A informação foi obtida do Estudo Longitudinal de Pais e Crianças de Avon (Reino Unido) que investigou a saúde e o desenvolvimento de 15247 crianças cuja gestação ocorreu entre 1991 e 1992. Em 10851 crianças, o PC foi medido e registado pelo menos em 2 avaliações diferentes até aos 24 meses. Aos 8 anos de idade mediu-se o QI através da Escala de Inteligência de Wechsler para crianças.Foram analisados os processos médicos das crianças com necessidade de apoio escolar e destes consideraram-se casos de alteração no neurodesenvolvimento os diagnosticados com dificuldade de aprendizagem, défices específicos no discurso ou função motora, autismo, epilepsia, doenças hipercinéticas e de conduta.
A análise estatística foi realizada com recurso ao IBM SPSS Statistics para calcular a média do PC, a distribuição normal do PC para cada idade (2, 9, 18 e 24 meses) e para definir os valores a partir dos quais se considera micro ou macrocefalia (entre os 2 e os 9 meses e entre os 18 e os 24).

Resultados:
1) Os dados obtidos demonstraram que cerca de 3%das crianças tiverammedições de PC compatíveis com percentis acima ou abaixo dos intervalos considerados normais, mas cerca de 75% apresentou-o apenas numa das medições.
2) Verificou-se que a mudança de percentilfoi frequente,com cerca de 20% das crianças a cruzar 1 percentil acima ou abaixo entre as 6-8semanas e os 9 meses, e 15% a cruzar entre os 9 e os 18-24meses. No entanto 75% das crianças, cuja transição de percentil se registou entre o 2º e o 9º mês, recuperoupara os seus valores habituais até aos 24 meses de idade; dos que não recuperaram, apenas 0.5% manteve valores extremos (acima do P98 ou abaixo do P2). Não se verificou relação entre cruzamentos de percentil e alterações neurológicas ou QI baixo.
3) O diagnóstico de distúrbios neurocognitivos (DNC) foi considerado raro ocorrendo apenas em 4,5% da amostra.Nas crianças com valores extremos de PC observou-se um aumento do riscode perturbação do desenvolvimento, necessidades educativas especiais aos 11 anos e QI baixo,no entanto sem significância estatística. No total das crianças com macrocefalia e microcefalia apenas houve diagnóstico de DNC em 15% e 9%,respectivamente.
4) Das crianças com diagnóstico de DNC 93% possuíam valores de PC correspondentes a percentis normais.

Conclusões: Os cruzamentos de percentil de PC são comuns e na sua maioria transitórios, o que se justifica por erros na medição e não se associa a DNC.
A existência de valores de PC fora dos parâmetros considerados normais não é um bom factor preditivo de problemas do desenvolvimento.
Os autores sugerem que a medição não deve ser feita em todos os exames de saúde, evitando desta forma a variabilidade incontornável das medições, e propõema medição do PC em 2 momentos: entre os 2 e os 5 dias após o nascimento e aos 6 meses de vida.

Comentário: Se por um lado se trata de um parâmetro amplamente utilizado nas consultas de saúde infantil, por outro lado, dada a sua baixa sensibilidade e especificidade para DNC, pode conduzir a investigações extensas, com realização de exames desnecessários e elevada ansiedade para os pais.
Sendo este um estudo com uma amostra considerável e representativa da população infantil, apesar de metodologicamente ser muito difícil conseguir manter o rigor na medição de todos os PC, faz-nos refletir acerca da relevância da medição de um dos parâmetros mais frequentemente avaliado ao longo dos primeiros dois anos de vida.

Por Sara Magalhães e Érica Rocha, USF Alpha Mouro

Artigo original em:
doi: 10.1542/peds.2014-3172