quinta-feira, 7 de maio de 2015

Descontinuar estatinas em doentes terminais?

Título: Segurança e benefício da descontinuação de terapêutica com estatinas em contexto de doença avançada com esperança de vida limitada

Desenho do estudo: Ensaio clínico pragmático, multicêntrico, aleatorizado, com grupo de controlo e sem ocultação. Foram incluídos adultos (> 18 anos), com esperança média de vida entre 1 mês a 1 ano, a fazer terapêutica com estatina durante, pelo menos, 3 meses para prevenção primária ou secundária de doença cardiovascular, deterioração recente do status funcional e sem doença cardiovascular activa recente. Os pacientes foram distribuídos aleatoriamente para descontinuar ou continuar o tratamento com estatinas e foram monitorizados mensalmente durante 1 ano. O estudo foi conduzido entre 3 de Junho de 2011 e 2 de Maio de 2013. Todas as análises foram realizadas com “intenção-de-tratar” e testada a hipótese de não inferioridade. Os outcomesanalisados incluíram morte em 60 dias (outcome primário), sobrevivência, eventos cardiovasculares, performance status, qualidade de vida percepcionada (QDV), sintomas, número de medicamentos (excepto estatinas), efeitos adversos decorrentes da terapêutica com estatinas, satisfação com o serviço de saúde e poupança de custos.

Resultados: Foram avaliados 381 pacientes, 189 dos quais suspenderam estatinas e 192 continuaram a terapêutica. A média de idades foi de 74.1 anos (11.6), 22.0% dos pacientes estavam cognitivamente debilitados e 48.8% tinham cancro. A proporção dos participantes que faleceu no período de 60 dias nos dois grupos de estudo (grupo que descontinuou vs grupo que continuou terapêutica) não foi significativamente diferente (23.8% vs 20.3%; 90% IC, -3.5% a 10.5%; P= 0.36) mas a não inferioridade não foi verificada. A QDV total foi melhor no grupo que descontinuou a terapêutica com estatinas (score= 7,11 vs 6,85; P= 0.04). Alguns participantes sofreram eventos cardiovasculares (13 no grupo que descontinuou terapêutica vs 11 no grupo que continuou a terapêutica). O número total de medicamentos (excepto estatinas) foi significativamente mais baixo no grupo que descontinuou (10.1 vs 10.8 medicamentos; P= 0.03) A poupança média, por participante, foi de $3,37 por dia e $716 durante o período do estudo (follow-up médio de 212,6 dias). Todos os restantes outcomes não revelaram diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos.

Conclusão: Este estudo sugere que a suspensão da terapêutica com estatinas, nesta população específica, é segura e pode estar associada a um aumento da qualidade de vida, diminuição da lista de medicação habitual para além das estatinas e uma correspondente redução modesta nos custos associados à terapêutica.

Comentário: Nos doentes com prognóstico reservado, os benefícios esperados com o uso de estatinas devem ser avaliados e ponderados, principalmente quando estes requerem mais do que 1 ano a ser atingidos. A simplificação do regime terapêutico em fim de vida pode ter importância na saúde total do doente e cuidadores, devendo essa decisão ser centrada no paciente, partilhada e informada. O presente estudo tem a seu favor o facto de ser pragmático, conseguindo assim obter uma amostra representativa da população em estudo, bem como resultados da prática clínica real. No entanto, não foi possível verificar a não inferioridade da suspensão de estatina em relação à sua manutenção, o que pode constituir uma dificuldade na decisão clínica. Por outro lado, há que sublinhar a inexistência de diferenças significativas na mortalidade em ambos os grupos estudados. Outra limitação identificada prende-se com o método de inclusão dos participantes, feito por consentimento informado. Neste sentido, a disponibilidade para participação pode implicar uma predisposição à paragem da estatina, o que também pode enviesar resultados. Mais estudos são necessários para avaliar a segurança e/ou benefício de outros fármacos nesta população específica.

Por Daniela Runa e Ana Rita Domingues, USF AlphaMouro

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