quarta-feira, 20 de maio de 2015

Hemorragia gastrointestinal e anticoagulação oral

Título: Risco de hemorragia gastrointestinal associada a anticoagulação oral.

Objetivo: Determinar a segurança do dabigatrano e rivaroxabano em relação à varfarina no que diz respeito ao risco de hemorragia gastrointestinal.

Desenho do estudo: Estudo coorte, retrospetivo e de base populacional.
Foi colhida informação de uma base de dados de saúde nacional (EUA), que contém dados demográficos e clínicos, nomeadamente informação sobre diagnósticos (ICDC-9) e prescrição. Foram incluídos indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos, com ficheiro clínico atualizado nos 6 meses prévios a 1 de Outubro de 2010, com a primeira prescrição de varfarina, dabigatrano ou rivaroxabano datada entre 1 de Outubro de 2010 e 31 de Março de 2012 e sem história de evento hemorrágico prévio. Definiram-se como variáveis de controlo os dados demográficos, três condições clínicas (diagnóstico de traumatismo, insuficiência renal e infeção por H. Pylori), três prescrições (anti-inflamatórios não esteroides, inibidores da bomba de protões e esteróides) e nível de comorbilidades.
Estatisticamente foi utilizado o PMS (Propensity Score Matching) de forma a controlar as diferentes características associadas aos doentes expostos aos três fármacos. Após análise estatística considerou-se o género, comorbilidades e uso de anti-inflamatórios não esteróides como fatores de estratificação de risco. O cálculo de risco relativo foi avaliado através de modelos de risco proporcional de Cox e a nivelação de resultados através do PMS.

Resultados: Foram incluídos 46163 doentes distribuídos de acordo com o anticoagulante oral utilizado: 85,8% utilizadores de varfarina, 10,6% de dabigatrano e 3,6% de rivaroxabano. Em números absolutos a incidência de hemorragias gastrointestinais foi superior nos utilizadores de dabigatrano e menor nos utilizadores de rivaroxabano (dabigatrano vs. rivaroxabano vs. varfarina: 9,01 v 3,41 v 7,02 por 100 “person years” – medida utilizada, uma vez que existiu variação no tempo de exposição ao fármaco).
Considerando o dabigatrano e a varfarina, após ajuste das co-variáveis, não existiu diferença estatisticamente significativa de risco de hemorragia gastrointestinal entre os dois fármacos (risco relativo 1,20; 95% Intervalo de confiança 0,96 a 1,52). A comparação entre rivaroxabano e varfarina também não estabeleceu diferenças estatisticamente significativas (risco relativo de 0,95; 95% Intervalo de confiança 0,96 a 1,53).
A comparação entre o dabigatrano e a varfarina em indivíduos com menos de 65 anos apresentou um risco relativo de 1,33 com um P menor que 0,1, o que poderá indicar que existe um risco acrescido de hemorragia gastrointestinal nesta faixa etária.

Comentário: Este estudo veio contrariar estudos anteriores que descrevem associação entre o dabigatrano e um risco acrescido de hemorragia gastrointestinal, considerando não existirem diferenças estatisticamente significativas na população em estudo.
No entanto existem alguns pontos a ter em conta: a população considerada é mais jovem do que em estudos anteriores, com apenas 23,3% de indivíduos com idade igual ou superior a 65 anos; a dose de dabigatrano considerada foi de 150 mg, superior à utilizada nos países europeus onde a dose aprovada para uso é de 110 mg, o que limita a comparação de resultados; os intervalos de confiança apresentados são amplos e não permitem descartar que os novos anticoagulantes orais não se associem com um risco acrescido de hemorragia gastrointestinal.
Acresce que a colheita através de uma base de dados não tem em conta, entre outros, o abandono terapêutico, a associação de terapêutica não registada, a mortalidade e o registo de testes laboratoriais.
Dadas as limitações dos estudos observacionais serão necessários mais estudos, nomeadamente ensaios clínicos, de forma a ser possível conhecer o perfil de eficácia e segurança destes fármacos. Esta informação é fundamental para ajudar os clínicos a selecionar o anticoagulante mais adequado, baseado no perfil do fármaco mas também na preferência dos utentes.

Por Maria Ana Sobral e Raquel Pedro, USF AlphaMouro

Artigo original em:
BMJ 2015;350:h1585

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