domingo, 9 de setembro de 2018

Risco de mortalidade por qualquer causa em doentes diabéticos sob terapêutica com beta-bloqueantes


Título: Risk of All-Cause Mortality in Diabetic Patients Taking b-Blockers (link)

Introdução: Estudos recentes sugerem que os β-bloqueantes podem prevenir ou diminuir os efeitos adversos após um episódio de hipoglicemia grave, contudo estes resultados não significam que o uso destes fármacos seja eficaz em doentes diabéticos. Os efeitos adversos major dos β-bloqueantes incluem risco de ocorrência de hipoglicemia grave (pois mascaram os sintomas precoces) e aumento ponderal, fatores que podem condicionar aumento do risco cardiovascular e morte. Assim, o uso de β-bloqueantes em doentes com diabetes pode estar associado a um risco aumentado de mortalidade.

Objetivo: Analisar a relação entre o uso de β-bloqueantes e a mortalidade por qualquer causa em doentes diabéticos e não diabéticos.

Metodologia: Este é um estudo prospetivo de coorte, com uma amostra selecionada a partir dos registos do US National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) recolhidos entre 1999-2010, e seguida desde a data da participação até 31 de dezembro de 2011.
O NHANES foi conduzido através de entrevistas em casa e avaliações em centros médicos. Foram selecionados 17524 participantes com idades compreendidas entre os 20 e os 79 anos.
A amostra foi dividida em doentes diabéticos e não diabéticos, que por sua vez foram divididos consoante a toma β-bloqueantes (medicados e não medicados). Adicionalmente foram também analisados os grupos de doentes com antecedentes de doença coronária (DAC) e insuficiência cardíaca congestiva (ICC). Foi criado um modelo de ajuste para inclusão de outras variáveis, consideradas possíveis fatores de confusão, tais como o tabagismo, a hipertensão e duração da diabetes.
O principal evento analisado foi a mortalidade por qualquer causa.

Resultados: Dos 17524 participantes, 2840 (16%) eram diabéticos e destes, 697 (25%) estavam medicados com β-bloqueantes.
Nos doentes diabéticos o hazard ratio (HR) ajustado para a mortalidade por qualquer causa foi 1.49 comparando os doentes medicados com β-bloqueantes com os não medicados. Por outro lado, nos doentes não-diabéticos não houve diferença significativa entre os dois grupos.
A mortalidade por qualquer causa nos doentes diabéticos com DAC foi significativamente maior naqueles medicados com β-bloqueantes, quando comparada com os não medicados (HR ajustado 1.64). Em contrapartida, nos doentes não diabéticos com DAC a mortalidade foi significativamente menor nos medicados com β-bloqueantes (HR ajustado 0.68). Para os doentes com antecedentes de Enfarte Agudo do Miocárdio e ICC, o padrão encontrado foi semelhante (mortalidade inferior nos não diabéticos e mortalidade superior nos diabéticos medicados com β-bloqueantes).

Discussão: Os resultados reforçam as conclusões de estudos prévios, indicando que em doentes não diabéticos com antecedentes de DAC e de ICC o uso de β-bloqueantes diminui a mortalidade por qualquer causa. No entanto, não existe evidência suficiente que comprove uma melhoria da sobrevida nos doentes com DAC sem história de EAM e ICC com fração de ejeção conservada. Este estudo demonstrou que em doentes diabéticos medicados com β-bloqueantes existe um padrão inverso de mortalidade, sendo que esta foi significativamente maior em doentes medicados com β-bloqueantes.

Limitações: Os dados deste estudo foram recolhidos entre 1999 e 2010, o que pode significar que os resultados não sejam aplicáveis às terapêuticas antidiabéticas atuais. Os diagnósticos de DAC e ICC foram obtidos através de informação transmitida oralmente pelos doentes, comprometendo a fiabilidade dos dados. A adesão à terapêutica ao longo do estudo não pôde ser confirmada. O período de follow-up não coincidiu com o início da toma de β-bloqueantes e foi mais longo no grupo de diabéticos não medicados. Este foi um estudo observacional prospetivo, sendo necessário a confirmação dos resultados através de um ensaio clínico randomizado.

Análise: O controlo de fatores de risco cardiovascular em doentes diabéticos influencia muito o seu prognóstico, sendo frequente depararmo-nos em consulta com decisões complexas relativas à medicação que devem cumprir. Os β-bloqueantes têm eficácia comprovada em doentes com antecedentes de EAM e ICC com disfunção sistólica, aumentando a sua sobrevida, mas questiona-se o seu real benefício em doentes diabéticos devido aos efeitos secundários potencialmente indesejáveis nesta população.
Este estudo, apesar das várias limitações encontradas na metodologia, alerta-nos para a possibilidade de aumento da mortalidade em doentes diabéticos medicados com estes fármacos. No entanto, são necessários mais estudos que comparem os outcomes de doentes que utilizem as novas classes de antidiabéticos orais, e que se aproximem mais da prática clínica da atualidade.

Por Ana Rita Domingues, Inês Castilho, Mafalda Bento (USF AlphaMouro)

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